Vida, paixão, pindaíbas, estéticas abandonadas, estéticas corrompidas, retratos comuns, desejos.

sábado, dezembro 16, 2006

indelicados



Vitrine de loja de lingerie:

Televisão de cachorro.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Cesaria Evora - Sodade



Quem mostra' bo
Ess caminho longe?
Quem mostra' bo
Ess caminho longe?
Ess caminho
Pa São Tomé
Sodade sodade
Sodade
Dess nha terra Sao Nicolau
Si bô 'screvê' me
'M ta 'screvê be
Si bô 'squecê me
'M ta 'squecê be
Até diaQui bô voltà
Sodade sodade
Sodade
Dess nha terra Sao Nicolau

sábado, setembro 23, 2006

Poivre

(Atualizado)
Aí tu me colaste este peitinho em riste à minha boca Fleuret, De um, suguei o visgo apimentado de um molho proibido que preparaste em teus mais recônditos lugares, Você sempre pudica me oferecia o outro, já meio triste e molinho suplicava que lhe provasse, de gota em gota, o anis estrelado e a canela que dele saiam, E um a um fui provando, O outro me roubando, E tu dissestes algo ao meu ouvido... Os dois meu bem... Bolinas os dois e tudo mais, E eu já lânguido e meio perverso te disse que não, e voltei os pés para trás, Comida que muito se mexe no fogo, Se queima, Aí tu veio com aquelas cobranças que nunca tens coragem de fazer vestida, Que eu ainda não havia acabado, E que ainda me dariam certo licor viscoso, Meio apimentado de fato, E tu ainda dizias, Que dessa pimenta que eu gostava, as lágrimas no olho acompanhando a curva de nossos corpos, Aí tu querias aquele grosso leite que tu segregavas pelas glândulas, Queria que eu com a boca a levasse o tal lácteo, Que os dois agora bolinados juntos lançavam-no para fora, Apimentado um, O outro canela e anis estrelado, E tu ias cantando assim uma música louca, Algo em espanhol, Não tinhas bebido naquele nascer do sol, Apenas esse tempero imponderável de nossos corpos, De nossas culinárias bestiais, De suores, e dentes, sulcos e lágrimas, de sangue, de esperma, De nossos sorrisos cínicos ao som do que mesmo? Aquela canção espanhola que tu cantavas aninhada aqui no meio peito? E tu deste a mim a boca para satisfazer teu impulso, O desejo lactante, Aquele gosto de menta que tu mascavas todos os dias, Tu cantavas, E veio aqui aninhar-se, langorosa no meu peito, que nem era tão seguro, Tu dizias que isso te confortava pois dos outros moços tu tinhas medo, Músculos risonhos para degolar-te, Aí tu vieste beijando-me a testa, E sem titubear foi levantando-se na cama para oferecer-me o ventre, Esbarraste o mamilo em meus olhos, Ardeu Fleuret, E eu chorei, E disse a ti já lânguido, Subtraído de minhas forças, Que não poderia, Confesso minha perversidade em negar-te, Tu me oferecias aquela forte conserva de cebolas afim de purificar-me, Eu ainda era puro Fleuret, Não conhecia esse olhar sujo que alguns tem pela paixão chamando-a de luxuria, A minha perversidade nasceu dentro da sua, Dentro de teu falso pudor, Eu é que achava lindo sugar-te o molho proibido de teus peitos, E ainda insatisfeito, Esculpir-te os preciosos, Os dois, Um a um, Com todos as individualidades e preservar cada espaço para os irmãos de leite, Trabalho cinzelado desses e sabia que depois vestida a roupa você negaria tudo, E diria que nada fede mais que dois corpos, Como era mesmo o nome da canção? Liliana Felipe a argentina maluca que cantava, E foi exilada no México por acasião da ditadura militar, Tu começaste a beijar-me os mamilos, E tu cantavas agarrada aos pelos de meu peito, Dizendo que esse meu cheiro de manjericão e tomate lhe inspiravam a fazer um molho com teu leite, Hã, Aí tu tiraste acona num rubro róseo, Ainda cantando e dela com a pontinha dos dedos com estrema delicadeza tiraste a pimenta malagueta de ti, E deste a mim para que pudesse prova-la, Eu chorei, Ardeu Fleuret, Mas o choro de gozo era mesmo de rir Fleuret, Tinha espasmos que pareciam mover o mundo, e mover algo em ti, que também chorava, que também ria, E suados ficamos ali em espelho, e beijava teus ombros e tu o mesmo pra mim, Tateando-se as retinas, Corremos a vida, Espantados ficaram os móveis da casa e se foram, Mas eu com aquela ardência dos diabos pingavam os olhos que sorriam, E nós assim embriagados por esse prato agora frio de fogo e quente de pimenta... Cantávamos nosso instante, essa fração, Chorei... De gozo, como no primeiro dia que provei pimenta lá em Salvador, Eu tinha dez anos e atravessava as passarelas no Rio Vermelho chorando... de gozo... Ao final deste banquete, Conserva de cebola, E o tal viscoso da malagueta que prometeste. Quando chegares já terei ido embora, Não, isso não foi como um tango em Paris, aquele sujeito era um idiota que não saia da padaria, Só conhecia manteiga, As fotos, e as cartas rasguei, Se o molho não fosse proibido eu não iria vagar pela Av. São João antes de me picar desta cidade nojenta, Volte pra sua casa... Fiquei embriagado com essa nossa culinária bestial... Qual era mesmo a canção?

Todo Seu,
Caio
Em algum dia nublado de novembro



sábado, agosto 05, 2006

Jogo de bicho


Quando morava na rua da Lama em Vitória, um dia estava voltando pra casa quando vi uma banca de jogo de bicho quebrada...


Ele quebrou a banca de jogo de bicho, não por sentir-se lesado, não por ato de justiça ou simples ato de loucura, não, não foi por achar-se vazio, não pelo provável pileque, não se achava desesperado, nem tinha medo, não pela incrível sensação de pensar em branco. Talvez ele quisesse êxtase. Mas nada disso importa, o que importa é que naquele dia quebrou tudo, banca, bicheiro, carros e espectadores.
Imagine que tudo isso possa ter sido apenas simpatia, é... mandinga, ou um sincero pretexto pra uma explosão necessária, um grito, talvez ele quisesse um suicídio inverso que o devolvesse à vida.
Poderia ser só incapacidade literária? Chifre? Homossexualidade enrustida?


Não.


Talvez fosse um mero devaneio. Uma tarde entediado, não um problema existencial propriamente dito, mas por uma regularidade rigorosa das horas, que temos chamado tédio. Não por solidão ou demasiado sentimento de fracasso.

Transeuntes passaram à noite imaginando o que teria sido o confronto.
As folhas numeradas cobriam a rua. E sobre a banca quebrada o bloco de escorpião.

Thiago Luz Raft

sexta-feira, julho 28, 2006

Louvado Seja Deus...



O mar de cartas de baralho espalhadas pela praça, sujas, rasgadas e mulambentas, num impulso, Hugo pesca sem olhar uma das cartas, Dama de copas, O mar, Infinito, Fractais-distantes-se-aproximam-se-recolhem-se-fecham-se-dilatam, O olhar sério da dama, A dor séria do mundo impressa sob seus olhos exaustos, Sua cor, sua textura, Seu rubor hora calmo, Hora quente, Sua paz e desespero, Seu vestido-armadura, A flor em suas mãos, O mundo parece convulso, Hugo já não parece ressaltar-se diante dessa geografia bestial dos símbolos e das coisas ensimesmadas. Caleidoscópicas visões e pressentimentos aterradores emergem da pequena constelação de personagens dessa praça dominical. O engraxate meio vesgo que observa as anomalias da tv, junto a um grupo de taxistas, moucos ao trabalho para atender seu telefone que toca por certo tempo irritante. A prostituta e o miche estão logo ali esperando mais uma redenção noturna, O farmacêutico, atônito, esquelético, esconde-se em suas vidraças blindadas e seus parangolés coloridos, As cartas, Se embaralha ao chão esse mar ensimesmado, Hugo gira a dama de copas entre os dedos, trêmulos, parecendo querer resolver um misterioso enigma. O caleidoscópio se fecha e em seguida se dilata, Juntando ao jogo a rainha impávida, Todo poderosa, Sedutora de cavalos, intrigueira de bispos, ameaça das torres, e cortesã de empamonhados reis, Ela em seu gesto ferino, Sem rubor, Se move sempre em possível bote. Acaso queres algo com meu corpo? Ela diz e corre, e volta e bate em Hugo, Rompeu o rasgo da agonia, num-susto-ladeira-acima, cantou e riu-se dele, Fez piruetas pelas ruas, descia num raio as ladeiras, Fazendo da cidade um reino particular para suas brincadeiras, Uma espécie de adega sagrada, Com seus perfumes, Suas texturas, Suas cores, Andava acaso nua? Andava nua em pelo, Sem tirar as roupas, Andava não mais comedida pelas impostações que é dado às mulheres, Andava na linha, no centro da rua, Entre os carros, Em reverencias à 80 por hora, Ao som das buzinas e seus uivos, E um trompete que rasgava a noite, ali imaginativo, Mendigava aos carros que passavam, Andava nua, nua, pela rua. Nua, Cecília pela rua.

Thiago Luz Raft