Vida, paixão, pindaíbas, estéticas abandonadas, estéticas corrompidas, retratos comuns, desejos.

sexta-feira, julho 28, 2006

Louvado Seja Deus...



O mar de cartas de baralho espalhadas pela praça, sujas, rasgadas e mulambentas, num impulso, Hugo pesca sem olhar uma das cartas, Dama de copas, O mar, Infinito, Fractais-distantes-se-aproximam-se-recolhem-se-fecham-se-dilatam, O olhar sério da dama, A dor séria do mundo impressa sob seus olhos exaustos, Sua cor, sua textura, Seu rubor hora calmo, Hora quente, Sua paz e desespero, Seu vestido-armadura, A flor em suas mãos, O mundo parece convulso, Hugo já não parece ressaltar-se diante dessa geografia bestial dos símbolos e das coisas ensimesmadas. Caleidoscópicas visões e pressentimentos aterradores emergem da pequena constelação de personagens dessa praça dominical. O engraxate meio vesgo que observa as anomalias da tv, junto a um grupo de taxistas, moucos ao trabalho para atender seu telefone que toca por certo tempo irritante. A prostituta e o miche estão logo ali esperando mais uma redenção noturna, O farmacêutico, atônito, esquelético, esconde-se em suas vidraças blindadas e seus parangolés coloridos, As cartas, Se embaralha ao chão esse mar ensimesmado, Hugo gira a dama de copas entre os dedos, trêmulos, parecendo querer resolver um misterioso enigma. O caleidoscópio se fecha e em seguida se dilata, Juntando ao jogo a rainha impávida, Todo poderosa, Sedutora de cavalos, intrigueira de bispos, ameaça das torres, e cortesã de empamonhados reis, Ela em seu gesto ferino, Sem rubor, Se move sempre em possível bote. Acaso queres algo com meu corpo? Ela diz e corre, e volta e bate em Hugo, Rompeu o rasgo da agonia, num-susto-ladeira-acima, cantou e riu-se dele, Fez piruetas pelas ruas, descia num raio as ladeiras, Fazendo da cidade um reino particular para suas brincadeiras, Uma espécie de adega sagrada, Com seus perfumes, Suas texturas, Suas cores, Andava acaso nua? Andava nua em pelo, Sem tirar as roupas, Andava não mais comedida pelas impostações que é dado às mulheres, Andava na linha, no centro da rua, Entre os carros, Em reverencias à 80 por hora, Ao som das buzinas e seus uivos, E um trompete que rasgava a noite, ali imaginativo, Mendigava aos carros que passavam, Andava nua, nua, pela rua. Nua, Cecília pela rua.

Thiago Luz Raft